Morreu um médico que, além de uma indiscutível
competência na Medicina, gostava de literatura, filosofia e poesia. Era um caso
raro entre os médicos portugueses, pois reconhecia que não basta dominar o que
vem nos livros técnicos para ser bom médico. É preciso um saber mais alargado,
que não pode ser adquirido sem a leitura crítica de livros que refletem sobre
os problemas humanos a que a ciência não responde. Um saber que permite ver o
mundo a partir de um horizonte mais amplo que, embora não exclua dúvidas e
inquietações, nos pode fazer ser melhores profissionais e melhores pessoas.
E ele era. Vale, por
isso, a pena ouvir com atenção as palavras de João Lobo Antunes a falar dos
livros que marcaram a sua vida.
Ao ouvi-lo, pensei nos
alunos de ciências do ensino secundário que aspiram prosseguir os estudos em
cursos na área da saúde. Para muitos há as disciplinas secundárias e as
principais, as da formação específica: Matemática, Física e Química e Biologia
e Geologia, onde gastam, durante a semana, não só muitas horas letivas (porque
as cargas horárias são muito maiores que as das outras disciplinas) como,
nalguns casos, muitas horas não letivas na frequência de explicações fora da
escola para conseguir obter as médias elevadas que possibilitem a entrada nos
cursos das universidades que desejam. Alguns destes alunos ostentam uma certa
indiferença pelas outras disciplinas baseando-se no facto de as considerarem
menores na sua formação futura e sem interesse prático.
Esta valorização das
disciplinas da formação específica dos cursos de ciências do ensino secundário
- por parte de alguns alunos, professores, encarregados de educação, do
ministério e da sociedade em geral - em detrimento das outras áreas de estudo
(por exemplo, as humanidades e as artes) é, a meu ver, empobrecedora e não
deixará de ter consequências a longo prazo na formação dos futuros médicos e
cidadãos. Para ser bom médico será apenas necessário dominar as “ferramentas do
ofício”?
O médico João Lobo
Antunes responderia que não. Ele interessou-se, ao longo da sua vida, por tudo
aquilo que é humano, o que engloba não só os conhecimentos especializados da
medicina como a poesia, a literatura e a filosofia. Ele personificou a célebre
afirmação de outro grande médico: “O médico que só sabe de medicina, nem de medicina sabe.”
Posted: 27 Oct 2016 02:53 PM PDT
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