NATAL 
Nem eu sei
realmente como a ceia faustosa possa saber bem, como o lume do salão chegue a
aquecer – quando se considere que lá fora há quem regele, e quem rilhe, a um
canto triste, uma côdea de dois dias. É justamente nestas horas de festa
íntima, quando pára por um momento o furioso galope do nosso egoísmo, – que a
alma se abre a sentimentos melhores de fraternidade e de simpatia universal, e
que a consciência da miséria em que se debatem tantos milhares de criaturas,
volta com uma amargura maior. Basta então ver uma pobre criança, pasmada diante
da vitrine de
uma loja, e com os olhos em lágrimas para uma boneca de pataco, que ela nunca
poderá apertar nos seus miseráveis braços – para que se chegue à fácil
conclusão que isto é um mundo abominável. Deste sentimento nascem algumas
caridades de Natal; mas, findas as consoadas, o egoísmo parte à desfilada;
ninguém torna a pensar mais nos pobres, a não ser alguns revolucionários
endurecidos, dignos do cárcere e a miséria continua a gemer ao seu canto!
Os
filósofos afirmam que isto há de ser sempre assim: o mais nobre de entre eles,
Jesus, cujo nascimento estamos exatamente celebrando, ameaçou-nos numa palavra
imortal «que teríamos sempre pobres entre nós». Tem-se procurado com revoluções
sucessivas fazer falhar esta sinistra profecia – mas as revoluções passam e os
pobres ficam.
(Eça de
Queirós, “O Natal – a «Literatura de Natal» para crianças”, Gazeta de Notícias, 9 de
fevereiro de 1881).
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