COMEMORAÇÃO DO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE VERGÍLIO FERREIRA Exposição Biobibliográfica / Apresentação do autor
Projeto pluridisciplinar interescolas: Agrupamento Escolas do Restelo, Escola Secundária Rainha D. Amélia e Escola Secundária Vergílio Ferreira
Vergílio António Ferreira nasceu em Melo, Serra da Estrela, a 28 de janeiro de 1916, e faleceu em Lisboa, a 1 de Março de 1996. Frequentou o Seminário do Fundão (1926-1932) e licenciou-se em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em 1940. A par do trabalho de escrita, foi professor de Português e de Latim em várias escolas do país, destacando-se o Liceu Camões em Lisboa. Inicialmente neorealista, depressa Vergílio Ferreira se deixou influenciar pelos existencialistas franceses André Malraux e Jean-Paul Sartre, iniciando um caminho próprio a partir do romance Mudança (1949). É considerado um dos mais importantes romancistas portugueses do século XX, tendo ganho vários prémios, entre eles o Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (ganho duas vezes, primeiro com o romance Até ao Fim e depois com o romance Na tua Face), o Prémio Femina em França com o romance Manhã Submersa e o Prémio Camões (1992), in Projeto Vercial
«Saio para o Liceu, tenho aulas só de manhã. São já aulas de fim de ano, os exercícios estão feitos, a matéria já foi dada, canso-me à procura de motivos que inventem uma novidade, um recomeço, vençam o mormaço da aula, a falta de convicção dos alunos e minha.
- Fale-nos de qualquer coisa.
É o convite ao sonho, talvez à aparição. Mas de que vos hei-de falar, amigos? Creio que já vos contei o que sabia. Histórias de pintores, a aventura da arte moderna, a crise do mundo, a contingência absoluta do vosso nascimento, até as aporias dos Eleatas, essa fina absurdez do movimento da seta, o mistério do tempo, que mais?, e a que propósito contei tudo? Já não sei…»
Vergílio Ferreira, Aparição, Lisboa, Editorial Verbo, 1971, pp.173-174
“Perturbavam-me de prazer a trepidação da partida, o halo da novidade e sobretudo o apelo intrínseco e doce de todas as pequenas coisas que ficavam mais perto de mim, como o fato novo estreado no dia, e o farnel de merenda para comer no comboio. Fechado nestas quimeras, eu calava-me também, como se o silêncio me defendesse de tudo o que era ameaça à minha roda. Porque tudo para mim era estranho e ameaçador, desde a montanha imóvel na imensa manhã circular até ao espectro do Calhau e dos bois, tão insólitos na sua placidez inicial, como viessem carregando o carro, submissamente, através de longos séculos. Afinal chegámos meia hora antes do comboio. De modo que, aproveitando esse bónus de espera, Calhau e eu pusemo-nos a estudar as linhas, os vagões nos desvios, a engrenagem das agulhas. Como achava tudo isso maravilhoso, estranhei que o Calhau só três vezes tivesse visto o comboio.
- Há pior – disse-me ele, sossegado.
- Conheces a Felícia? Pois é mais velha do que eu e nunca o viu.
- E aqui tão perto! – admirei-me eu, condoído.
Mas Calhau não se perturbou, convencido, decerto, de que isso de ver comboios não era assim tão importante para a vida …”
Vergílio Ferreira, Manhã Submersa, Chiado, Bertrand Editora, 2004, pp. 12-13.
Literatura e Filosofia
«A pura aparição de nós está antes de qualquer determinação, porque é a pura realidade de sermos uma força viva, a pura manifestação da pessoa humana que somos e a consciência que disso temos é coincidente –incoincidente com isso. O Eu que me aparece não se discrimina em aspeto algum dele, porque é pura atividade que se sabe ativa no instante de se manifestar no instante de se manifestar, é o ilimitado e indiscriminado de nós antes de qualquer limitação ou discriminação, é a pura consciência de que está aqui alguém – aqui, naquele que somos – existindo esse “alguém” duplamente e unicamente pelo vermo-lo e sermos esse que vê.
A sua revelação aparenta-se, pela surpresa, com o sentir que nos toma quando adivinhamos uma presença junto de nós e que não sabemos concretizar. Essa pura atividade esclarece-se e é o que a manifesta e determina. Mas pela Experiência de nós próprios sabemos que sendo isso, está antes disso. Porque sentirmo-nos um “eu” não é senti-lo como agente do pensar ou um complexo psíquico, como entidade viva onde traço algum psicológico ou atividade pensante se determinou ou realizou – para lá da pura consciência coincidente- incoincidente que dessa aparição nós temos. Mas essa realidade é tão viva e flagrante, que aqui e além vai sendo posta em relevo, como, por exemplo, em Cette vie m’aime de Stephen Jourdain. Dessa realidade, aliás, nós tentámos falar no romance Aparição.»
Vergílio Ferreira/Jean- Paul Sartre, O Existencialismo é um Humanismo – Da Fenomenologia a Sartre, Lisboa, Quetzal Editores, 2012, pp.108-109.
EXISTENCIALISMO
Corrente filosófica iniciada a partir da I Guerra Mundial e que atingiu o apogeu nos anos 40 e 50, impregnando a cultura dessa época. De um ponto de vista estritamente filosófico, seria preferível falar de filosofia existencial e de filosofia da existência, conforme se trate de uma doutrina pessoal, concetualização direta direta de experiências msis profundas e decisivas do filósofos, como acontece nos casos de Kierkegaard e de Nietzsche, ou de uma filosofia cujo objetivo seja o esclarecimento dos problemas essenciais da existência humana. […]
Logos – Enciclopédia Luso- Brasileira de Filosofia, Vol.2, Lisboa/S.Paulo, Editorial Verbo,p.390
EXISTENCIALISMO E FILOSOFIA EXISTENCIAL EM PORTUGAL
[…] O existencialismo niilista de Sartre ou de Camus teve em Portugal mais reflexos literários do que propriamente filosóficos . Muito do seu espírito perpassa na obra novelística de um Fernando Namora (na sua última fase), de um Urbano Tavares Rodrigues (na sua primeira fase) ou de uma Fernanda Botelho, mas é nos romances de Vergílio Ferreira, sobretudo a partir da Aparição (1959), em linha a que ficará fiel até aos seus romances dos anos 80, Para Sempre e Até ao Fim, que ele melhor e mais conscientemente se exprime. Aliás, Vergílio Ferreira é ele próprio um expositor da conceção existencialista de influência sartriana, no ensaio Da Fenomenologia a Sartre (1962) ou no prefácio à sua própria tradução do livro deste pensador, O Existencialismo é Um Humanismo.
Logos – Enciclopédia Luso- Brasileira de Filosofia, Vol.2, Lisboa/S.Paulo, Editorial Verbo,pp. 403-404
Que há para lá do sonhar?
Céu
baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.
Mas que há para lá do sonhar?
Vergílio
Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'
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