O Prémio Nobel da Literatura de 2020 foi atribuído à poetisa e ensaísta americana Louise Glück, "pela sua inconfundível voz poética que, com austera beleza, torna universal a existência individual".
Nascida
Paisagem/3
Nos
fins do outono uma rapariga deitou fogo
a um trigal. O outono
fora
muito seco; o campo
ardeu como palha.
Depois
não sobrou nada.
Se o atravessávamos, não víamos nada.
Nada
havia para colher, para cheirar.
Os cavalos não compreendem –
Onde
está o campo, parecem dizer.
Como tu ou eu a perguntar
onde está a nossa casa.
Ninguém
sabe responder-lhes.
Não sobra nada;
resta-nos esperar, a bem do lavrador,
que o seguro pague.
É
como perder um ano de vida.
Em que perderias um ano da tua vida?
Mais
tarde regressas ao velho lugar –
só restam cinzas: negrume e vazio.
Pensas:
como pude viver aqui?
Mas
na altura era diferente,
mesmo no último verão. A terra agia
como se nada de mal pudesse acontecer-lhe.
Um
único fósforo foi quanto bastou.
Mas no momento certo – teve de ser no momento certo.
O
campo crestado, seco –
a morte já a postos
por assim dizer.
*Terceira parte do poema “Landscape”, de Averno (2006), traduzido por Rui Pires Cabral. Os versos
foram publicados no n.º 12 da revista Telhados de Vidro, da editora Averno, em maio de
2009
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